Excesso de religião
Por Administrador
Publicado em 22/08/2025 18:42 • Atualizado 22/08/2025 19:33
Fé, religião e espiritualidade

Pode haver excesso de água, de sal, de açúcar, de chocolate, de cuidados, de alertas, de sinais e faróis, de palavras e de repetição. Praticamente tudo pode chegar ao excesso. Enganam-se os que dizem que religião nunca é demais. Tanto que há fanáticos matando, caluniando, agredindo, proclamando-se melhores e mais eleitos, impondo comportamentos, quebrando símbolos dos outros, semeando ódio e assumindo comportamentos antissociais em nome de Deus. E ainda se proclamam vitoriosos em Cristo ou em Alah!

Olho o futuro com preocupação, ao ver o crescimento de religiões e igrejas belicosas em disputa por fiéis. A queima de templos do outro grupo, a morte de fiéis que oram num outro templo, os gritos de que eles serão vitoriosos e de que Deus lhes deu e dará a vitória, o aumento desordenado de pregadores e novos templos, milhares de púlpitos, milhares de lugares de oração, o clima que ali se instala de povo especial e diferente, que controlará o país em que moram, aponta para daqui a alguns anos, uma era, ou de conflitos enormes entre as religiões ou, se vencer a democracia nesses povos, a era de indiferença religiosa. A Europa, quase ateia hoje, já fervilhou de pregadores e pregações cada qual mais certa do que a outra. De tanto se absolutizarem, as novas gerações as relativizaram. 

O excesso de perfume tira o efeito dele. Excesso de açúcar prejudica a bebida, excesso de remédio adoece o paciente. O excesso de pregação e de fé prejudica a religião. Toda aquela gente que se acotovelava para ganhar algum favor de Jesus, não conseguiu o que queria, mas uma mulher silenciosa e despercebida, que tocou humildemente a orla do seu manto (Lc 8, 43-48), foi agraciada, porque teve fé serena. É verdade que Jesus também atendeu aqueles cegos que berravam pedindo compaixão (Mt 9, 27-30). 

Jesus manda falar de cima dos telhados (Mt 10, 27), mas também sugere que fechemos a porta e oremos no silêncio do quarto e sem alarde (Mt 6, 6). E, muitas vezes, proibiu que dessem testemunho do que ele fizera. Não queria trombetas. Aliás, condenou os trombeteiros da fé que gostavam de aparecer como santos e jejuadores profissionais (Mt 6, 1-16). Jesus diz que, se era aplauso o que queriam, já o receberam. Se havia algo que Jesus condenava, era o sensacionalismo da fé que sempre leva ao excesso de exibicionismo. Soa tipo: Olhem só como nós cremos! Nós, sim, é que somos fiéis de verdade!

A meu ver, o problema de milhares de pregadores de agora é o alarde, que nasce da urgência de converter o mundo e da pressa de fazer novos adeptos. Precisam encher seus templos como uma nova Arca de Noé, porque a hora do fim se aproxima e só quem entrar naquelas arcas se salvará. Então, passa a valer qualquer trunfo, nem que se invente um sacramento por semana. E ai de quem não tiver a mesma pressa! Será chamado de descrente ou parceiro de satanás, mesmo tendo Jesus dito que ninguém sabe nem o dia nem a hora (Mt 24, 36)! Essa passagem eles omitem... acham que sabem! Jesus contou só para eles. Acredite quem quiser!

De tanto ore assim, faça isso, levante as mãos, clame comigo, venha conosco, traga isso, dê isso, ajude-nos nisso, Deus quer, Deus disse... de tantas solicitações, palavras de ordem, tantos milagres com hora marcada e em lugar marcado, tantos pregadores repetindo as mesmas palavras e as mesmas ordens, de tanto religião invasora na vida do fiel e nas vidas ao redor, o efeito poderá ser o mesmo de uma inundação. Rios são maravilhosos quando controlados. Mas rios sempre cheios e a transbordar acabam destruindo tudo o que se construiu às suas margens. Foi água demais!

O que estamos a ver na mídia e nas ruas é o entusiasmo descontrolado de pregadores, excessivamente seguros de si e da sua eleição, a chamar a sua pressa e urgência de zelo missionário ou de fé, quando lembra mais um rio que passou dos limites. Rio demais pode ser água suja nas torneiras. Religião demais pode ser fé poluída! Mas quem convencerá um pregador entusiasmado de que sua pregação, de vitória e sucesso em Cristo, foi longe demais?

 

Pe. Zezinho SCJ (José Fernandes de Oliveira) - https://www.facebook.com/padrezezinhoscj

Escritor de mais de 300 livros, milhares de artigos e professor de comunicação, pioneiro e referência da música cristã; inúmeras dentre suas mais de duas mil canções (com letras sempre conforme a original doutrina cristã) estão entre as mais cantadas por católicos, evangélicos e outros, ainda que, por vezes, nem sequer saibam ser ele o compositor. Nas décadas de 1960 a 1980 foi considerado o padre cantor mais conhecido do mundo: feitos altamente notáveis, já que jamais se submeteu à mídia convencional, não fez média para agradar e tudo que arrecadou  com seus livros, apresentações e discos foi e é destinado a obras sociais. Profundo estudioso e disseminador da história e doutrina da Igreja e das religiões, defensor do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e do respeito entre os diferentes. Em 2025 completou 84 anos e há 13 anos, por causa de AVC e outras enfermidades, parou de viajar pelo mundo, reduzindo suas atividades a estudar, compor, escrever e, eventualmente, gravar (raramente com sua voz e somente com pequenas participações).

 

 

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