Nesta semana, participei de um evento organizado pela PINA — casa de reputação e storytelling em São Paulo — onde tive a oportunidade de conversar com Ted Chiang, um dos autores mais respeitados da ficção científica contemporânea. Para além do prestígio de ter inspirado o filme “A Chegada”, Ted também se tornou uma das vozes mais lúcidas e críticas da inteligência artificial.
Filho de imigrantes chineses nos Estados Unidos, Chiang construiu sua carreira com textos que nos fazem refletir sobre tempo, linguagem e o futuro da humanidade. Seu olhar sobre a IA é cuidadoso, quase sempre desconfiado — mas profundamente embasado.
Ele levanta questões legítimas sobre o impacto ambiental do treinamento de modelos, a propriedade intelectual e, sobretudo, o risco de atrofia intelectual coletiva. Quando perguntei sobre os impactos da IA na educação infantil, sua resposta foi direta: “devastador”. Para ele, o caminho mais seguro seria um só — evitá-la ao máximo nesse contexto.
Essa provocação, vinda de um autor que admiro, me fez refletir.
A boa educação não nasce do consenso, mas do confronto honesto entre visões diferentes. A escuta ativa, mesmo diante do incômodo, é o que nos permite construir uma sociedade com pensamento crítico e decisões melhores. A visão de Ted nos lembra que a tecnologia, por mais encantadora que seja, carrega riscos profundos — especialmente quando afeta a formação do nosso pensamento.
Por outro lado, vejo a realidade da IA com um olhar pragmático. A tecnologia já está no cotidiano das crianças — nos celulares, nos vídeos, nas buscas, nas tarefas escolares. Não acredito que a solução esteja em evitá-la, mas sim em educar para o uso consciente. Se a IA é inevitável, então o desafio passa a ser outro: como preparar as próximas gerações para conviver com ela de forma crítica, ética e produtiva?
Foi com esse espírito que o Brasil deu um passo importante. Em julho de 2025, o Conselho Nacional de Educação aprovou um parecer que torna obrigatório o ensino de Inteligência Artificial nos cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas.
A proposta, que aguarda homologação do MEC, visa capacitar os futuros professores para os desafios e oportunidades trazidos pela IA — desde o uso responsável em sala de aula até a personalização da aprendizagem, o apoio à inclusão e a redução da sobrecarga docente. A diretriz reconhece que a IA não é apenas uma ferramenta, mas um novo campo de conhecimento pedagógico. E que, portanto, precisa ser compreendida criticamente desde a formação inicial dos educadores.
A abordagem é correta: não se trata de “substituir” o professor, mas de empoderá-lo. Não se trata de “automatizar” o aprendizado, mas de personalizá-lo, torná-lo mais adaptativo e eficiente. A IA pode ajudar a corrigir provas, organizar trilhas de aprendizado, sugerir materiais, identificar dificuldades específicas de cada aluno — e, com isso, liberar tempo e energia para o que realmente importa: a mediação humana.
É claro que os riscos existem. Como já discutimos nesta coluna, ferramentas de detecção de textos gerados por IA são falhas, e os métodos tradicionais de avaliação escolar já não dão conta do novo cenário. O desafio não é banir o uso da IA, mas ensinar o seu uso crítico e responsável. Assim como educamos para a ética no uso da internet ou no consumo de informação, precisamos educar para a ética no uso da inteligência artificial.
A crítica de Ted Chiang é um antídoto necessário ao deslumbramento tecnológico. Mas talvez a melhor resposta a esse alerta não seja o recuo, e sim a formação — de professores, de alunos e da sociedade como um todo. Uma formação que acolhe o novo com cuidado, que reconhece os riscos, mas também as oportunidades de um futuro onde humanos e máquinas aprenderão, juntos, a pensar melhor.
Porque o futuro — como toda boa ficção científica — ainda está em aberto.
Diogo França é Diretor da XP Educação, onde lidera as áreas de Estratégia, Tecnologia e Growth. Com trajetória marcada pela construção de produtos e por transformações de grandes empresas, combina visão de negócios com domínio técnico. Economista de formação, tem se dedicado à integração da IA na educação, criando soluções que preparam profissionais para os desafios do futuro. Sua liderança está focada em posicionar a XP Educação como referência em transformação digital no setor educacional. https://www.linkedin.com/in/francadiogo - https://www.xpeducacao.com.br/podcast-acelerai